quinta-feira, 6 de março de 2014


As irmãs iranianas Laleh e Ladan Bijani tinham exatamente os mesmos genes e viveram juntas todas as experiências da vida. Nascidas gêmeas idênticas e siamesas, ligadas pela cabeça, permaneceram 29 anos grudadas. Morreram em 2003, na cirurgia que as separou. Mesmo sabendo dos riscos da operação, elas toparam o desafio só pela oportunidade de viver separadas.

A individualidade humana é um mistério: somos todos diferentes uns dos outros, e isso acontece até mesmo com gêmeas idênticas como Laleh e Ladan, que carregam o mesmo DNA e foram educadas do mesmo jeito. A ciência moderna tenta há séculos explicar a intrincada malha que forma o nosso comportamento. Nessa corrida, há filósofos, psicólogos, neurocientistas, geneticistas e até literatos. No livro Notas do Subterrâneo, o escritor russo Fedor Dostoiévski zomba de quem acredita que “a ciência explicará ao homem que ele nunca teve vontade, nem caprichos e que não passa, em suma, de uma tecla de piano, de um pedal de órgão”.

Dostoiévski mostra que o nosso jeito de ser não é só uma questão de curiosidade pessoal. O que cientistas ou escritores estudam sobre a origem da personalidade geralmente cria novos modos de ver o mundo, códigos morais e sistemas políticos. No século 17, o filósofo inglês John Locke formulou a metáfora da tabula rasa, segundo a qual somos uma espécie de folha em branco que é preenchida no decorrer da vida. O princípio de Locke foi essencial para a criação de pilares da política moderna, como a Declaração dos Direitos Universais do Homem, de 1776, ou o socialismo. Afinal, se todos os homens nascem iguais, então merecem os mesmos direitos e oportunidades.

A genética determina o comportamento?
Não. O nosso DNA possibilita e favorece determinados tipos de comportamento, mas não determina nada. “Os genes não restringem a liberdade humana – eles a possibilitam”, diz Matt Ridley, autor do livro O Que Nos Faz Humanos, em um artigo para a revista New Scientist.

Traços de personalidade são idéias, conceitos culturais: dependem dos olhos de outros e da cultura de um lugar e de uma época para aparecerem e ganharem um nome. O que é inteligência, pedofilia, má-educação ou timidez no Brasil pode ganhar nomes bem diferentes no Japão, por exemplo. Por isso, não dá para encontrar a personalidade pura no DNA. Mas a nossa herança genética pode, sim, influenciar o funcionamento do corpo, que, numa cultura ou em outra, resulta em comportamentos diferentes.

Ao nascer, cada ser humano carrega uma composição de 30 mil a 35 mil genes, formações de DNA que ficam ali dentro dos nossos 23 pares de cromossomos. As principais descobertas dos geneticistas do comportamento relacionam os genes à regulação de mecanismos fisiológicos que mudam o comportamento, como impulsividade, vício de determinadas substâncias e memorização.

Crianças alegres, que sorriem e olham nos olhos dos pais, costumam deixá-los gratos e mais carinhosos. Segundo uma pesquisa de 1994 feita pela Universidade da Pensilvânia, alguns autistas – que não costumam olhar nos olhos ou expressar emoções – têm, por isso, pais indiferentes e um pouco frios. Outro exemplo é a beleza das crianças. Se a composição genética faz uma criança ser considerada bonita, ela terá mais chances de ser o centro da atenção dos pais. E isso influenciará sua personalidade.

Os pais influenciam a personalidade dos filhos?
Sim, mas a influência é imprevisível. Desde os primeiros estudos de Sigmund Freud, e até antes deles, os pais são tidos como os agentes mais importantes na criação de uma pessoa. São os primeiros a conter o que há de animal em nós, nos ensinando a controlar desejos em nome de regras morais, castigos e convenções da civilização. Com essa premissa, Freud foi, ao lado de Darwin, um dos grandes pensadores do século 19 a abalar a idéia de Deus, mostrando que as noções de pecado e culpa são transmitidas pelos pais e podem ser a causa de vários dos nossos problemas. Do conflito entre os nossos desejos e culpas, sairiam traços de personalidade (como a timidez, a vergonha), recalques inconscientes e fraquezas que nos acompanham vida afora. Freud vai mais longe: para ele, o jeito com que meninos e meninas lidam com a figura do pai e da mãe é essencial para definir a sexualidade da pessoa.

A criança aprende o que pode ou não fazer. Percebe que, ao chorar mais alto, a mamadeira vem mais depressa. Portanto, vale a pena ser manhosa, pelo menos de vez em quando. Quando joga um objeto no chão, é repreendida pela mãe e ganha uma bela bronca. Também começa a diferenciar sentimentos: o que achava ser dor, começa a receber nomes diferentes como “fome”, “ciúme”, “medo”. “As sinapses cerebrais são construídas a partir das relações externas. Sem interação com o outro, não há personalidade”, afirma Benito Damasceno, neurologista e professor de neuropsicologia da Unicamp.
E os “outros” mais importantes dos nossos primeiros anos são os pais. Com eles, exercitamos uma das nossas grandes capacidades inatas: a de imitar. Os pais servem de referência para estabelecermos padrões de sentimentos e atitudes – o filho que imita o pai se barbeando também conhece com ele jeitos de se relacionar com as mulheres, modos de regular o tom de voz e até preferências intelectuais.

As amizades influenciam?
Muito mais do que imaginamos. Em 1998, a psicóloga americana Judith Rich Harris causou uma revolução nas teorias da personalidade ao afirmar que o convívio com os pais é só um dos fatores que influenciam a personalidade dos filhos – e um dos menos importantes. No livro Diga-me com Quem Anda..., ela fala que as relações horizontais dos 6 aos 16 anos – da criança com seus pares, o grupo de amigos da escola ou da vizinhança – são o grande definidor da personalidade adulta.

A teoria de Judith explicaria por que pais normais, que seguiram sempre as regras da boa educação, deparam com um filho criminoso. Talvez nossos avós não estivessem errados ao se preocupar tanto com as más companhias. A teoria também tem uma conseqüência aterradora: de que a educação teria pouquíssimo efeito sobre os filhos. Eles não se tornam o que os pais querem que sejam – mas o que os amigos querem. Se é assim, então como educar os filhos?

O estilo de educação importa?
Pouco. Traços de personalidade dependem de diversos fatores e são dificilmente previsíveis. Por isso, estudantes de um colégio militar não se tornam necessariamente adultos metódicos, e os de um colégio liberal não ficam mais criativos. Também não há comprovação científica de que impor limites rígidos previne que o filho seja um adolescente infrator.

Dizer que o estilo de educação importa pouco na personalidade deve fazer psicopedagogos e professores estremecer. Mas a afirmação pelo menos livra os pais de tanta culpa e responsabilidade pelo destino dos filhos. Notícias de adolescentes de classe média que ateiam fogo a mendigos ou espancam empregadas costumam ver acompanhadas de críticas ao pais. A idéia por trás dessa opinião é que os pais são responsáveis pela personalidade e por todos os atos dos descendentes.

Os primeiros estudiosos a culpar os pais pela educação dos filhos foram os psicólogos behavioristas. Eles adaptaram as idéias de Freud sobre o papel dos pais e criaram sistemas de educação baseados em estímulos e respostas. O psicólogo John Watson, famoso no começo do século 20, chegou a dizer que conseguiria fazer de qualquer criança um médico ou artista de sucesso se pudesse aplicar na “cobaia” um sistema contínuo de estímulos e respostas. De pensadores como Watson, veio a idéia, comum hoje em dia, de que uma personalidade bem formada é resultado de uma educação de recompensas e punições.

Por que os irmãos são tão diferentes?

Muita gente explica a personalidade de alguém pela ordem de nascimento ou pela diferença de idade entre os irmãos. O senso comum diz que os primôgenitos são mais independentes; os do meio, rebeldes; os temporões, precoces. O historiador Frank Sulloway, da Universidade da Califórnia, tem estudos nessa linha. Ele analisou a ordem de nascimento de mais de 6 mil personalidades mundiais e concluiu que os filhos mais velhos são mais conservadores, já os mais novos são os criativos e revolucionários – é 18 vezes mais fácil achar um revolucionário caçula que um primogênito.

Steven Pinker, psicólogo evolucionista e professor da Universidade Harvard, acredita que a variação de personalidade se resume numa palavra: acaso. “Falo de acasos como um bebê que cai de cabeça no chão sem querer, um vírus que ele pega, um pensamento que deixe uma impressão permanente. Esses fatores podem ter uma influência tão grande no que somos quanto os genes, uma influência muito maior do que os pais”, afirma ele no livro Tábula Rasa.

É possível mudar nosso jeito de ser?
Sim. Na verdade, mudamos nossa personalidade a toda hora. Agimos de modos diferentes com pessoas de idade, sexo ou posição social diferentes. Você já deve ter passado pela sensação de ser amigável e inteligente com alguém que o deixa confortável e agir do modo contrário com quem o desafia. Além disso, a nossa personalidade depende do que os outros acham: você pode ser chato para uma pessoa, mas gente boa ou confiável para quem o conhece melhor. “O homem tem tantos eus quantos são os indivíduos que o reconhecem”, disse em 1890 o psicólogo William James, um dos primeiros a estudar a personalidade.

O gordinho engraçado
Este tipo comum é um bom exemplo da teoria da americana Judith Harris, para quem a relação entre os iguais é o fator que mais influencia a personalidade. Entre os vizinhos e os amigos da escola, a criança busca um jeito de receber atenção e ganhar destaque. Se não é o mais bonito ou o mais forte do grupo, conquista o carinho de todos de outro jeito: contando piadas.

A bonita e burra
A moça que nasce mais bonita que a média pode ter mais carinho dos pais (que tratam, sim, cada filho de forma diferente) e ser facilmente aceita entre os amigos. Mas essa herança pode ter um lado ruim: atraindo a atenção pela beleza, ela talvez não desenvolva artimanhas para se destacar, correndo o risco de ficar vazia e desinteressante.

Tímido e inteligente
Por que algumas pessoas são abertas e sociáveis enquanto outras são quietas e tímidas? Uma explicação é o jeito com que nossos pais nos ensinam os sentimentos. O rapaz inteligente e introvertido pode ter aprendido com o pai a ser frio e distante.

Gêmeas e diferentes
Gêmeos idênticos têm exatamente o mesmo DNA e foram educados de forma parecida. Então por que são tão diferentes? A explicação mais aceita é a Teoria dos Nichos: disputando a atenção dos pais, os irmãos adotam papéis diversos. Um serve de referência do contrário para o outro.

O médico altruísta
Para a psicanálise tradicional, tentamos repetir na vida adulta as experiências da infância. Imagine um garoto que nasceu pouco antes de o pai morrer e que, por isso, foi admirado como uma compensação pela mãe e pelos avós. Ao escolher a profissão, ele pode ter gostado da idéia de ser admirado – como um médico que faz tudo pelos pacientes.


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