As
irmãs iranianas Laleh e Ladan Bijani tinham exatamente os mesmos
genes e viveram juntas todas as experiências da vida. Nascidas
gêmeas idênticas e siamesas, ligadas pela cabeça, permaneceram 29
anos grudadas. Morreram em 2003, na cirurgia que as separou. Mesmo
sabendo dos riscos da operação, elas toparam o desafio só pela
oportunidade de viver separadas.
A
individualidade humana é um mistério: somos todos diferentes uns
dos outros, e isso acontece até mesmo com gêmeas idênticas como
Laleh e Ladan, que carregam o mesmo DNA e foram educadas do mesmo
jeito. A ciência moderna tenta há séculos explicar a intrincada
malha que forma o nosso comportamento. Nessa corrida, há filósofos,
psicólogos, neurocientistas, geneticistas e até literatos. No livro
Notas do Subterrâneo, o escritor russo Fedor Dostoiévski zomba de
quem acredita que “a ciência explicará ao homem que ele nunca
teve vontade, nem caprichos e que não passa, em suma, de uma tecla
de piano, de um pedal de órgão”.
Dostoiévski
mostra que o nosso jeito de ser não é só uma questão de
curiosidade pessoal. O que cientistas ou escritores estudam sobre a
origem da personalidade geralmente cria novos modos de ver o mundo,
códigos morais e sistemas políticos. No século 17, o filósofo
inglês John Locke formulou a metáfora da tabula rasa, segundo a
qual somos uma espécie de folha em branco que é preenchida no
decorrer da vida. O princípio de Locke foi essencial para a criação
de pilares da política moderna, como a Declaração dos Direitos
Universais do Homem, de 1776, ou o socialismo. Afinal, se todos os
homens nascem iguais, então merecem os mesmos direitos e
oportunidades.
A
genética determina o comportamento?
Não.
O nosso DNA possibilita e favorece determinados tipos de
comportamento, mas não determina nada. “Os genes não restringem a
liberdade humana – eles a possibilitam”, diz Matt Ridley, autor
do livro O Que Nos Faz Humanos, em um artigo para a revista New
Scientist.
Traços
de personalidade são idéias, conceitos culturais: dependem dos
olhos de outros e da cultura de um lugar e de uma época para
aparecerem e ganharem um nome. O que é inteligência, pedofilia,
má-educação ou timidez no Brasil pode ganhar nomes bem diferentes
no Japão, por exemplo. Por isso, não dá para encontrar a
personalidade pura no DNA. Mas a nossa herança genética pode, sim,
influenciar o funcionamento do corpo, que, numa cultura ou em outra,
resulta em comportamentos diferentes.
Ao
nascer, cada ser humano carrega uma composição de 30 mil a 35 mil
genes, formações de DNA que ficam ali dentro dos nossos 23 pares de
cromossomos. As principais descobertas dos geneticistas do
comportamento relacionam os genes à regulação de mecanismos
fisiológicos que mudam o comportamento, como impulsividade, vício
de determinadas substâncias e memorização.
Crianças
alegres, que sorriem e olham nos olhos dos pais, costumam deixá-los
gratos e mais carinhosos. Segundo uma pesquisa de 1994 feita pela
Universidade da Pensilvânia, alguns autistas – que não costumam
olhar nos olhos ou expressar emoções – têm, por isso, pais
indiferentes e um pouco frios. Outro exemplo é a beleza das
crianças. Se a composição genética faz uma criança ser
considerada bonita, ela terá mais chances de ser o centro da atenção
dos pais. E isso influenciará sua personalidade.
Os
pais influenciam a personalidade dos filhos?
Sim,
mas a influência é imprevisível. Desde os primeiros estudos de
Sigmund Freud, e até antes deles, os pais são tidos como os agentes
mais importantes na criação de uma pessoa. São os primeiros a
conter o que há de animal em nós, nos ensinando a controlar desejos
em nome de regras morais, castigos e convenções da civilização.
Com essa premissa, Freud foi, ao lado de Darwin, um dos grandes
pensadores do século 19 a abalar a idéia de Deus, mostrando que as
noções de pecado e culpa são transmitidas pelos pais e podem ser a
causa de vários dos nossos problemas. Do conflito entre os nossos
desejos e culpas, sairiam traços de personalidade (como a timidez, a
vergonha), recalques inconscientes e fraquezas que nos acompanham
vida afora. Freud vai mais longe: para ele, o jeito com que meninos e
meninas lidam com a figura do pai e da mãe é essencial para definir
a sexualidade da pessoa.
A
criança aprende o que pode ou não fazer. Percebe que, ao chorar
mais alto, a mamadeira vem mais depressa. Portanto, vale a pena ser
manhosa, pelo menos de vez em quando. Quando joga um objeto no chão,
é repreendida pela mãe e ganha uma bela bronca. Também começa a
diferenciar sentimentos: o que achava ser dor, começa a receber
nomes diferentes como “fome”, “ciúme”, “medo”. “As
sinapses cerebrais são construídas a partir das relações
externas. Sem interação com o outro, não há personalidade”,
afirma Benito Damasceno, neurologista e professor de neuropsicologia
da Unicamp.
E
os “outros” mais importantes dos nossos primeiros anos são os
pais. Com eles, exercitamos uma das nossas grandes capacidades
inatas: a de imitar. Os pais servem de referência para
estabelecermos padrões de sentimentos e atitudes – o filho que
imita o pai se barbeando também conhece com ele jeitos de se
relacionar com as mulheres, modos de regular o tom de voz e até
preferências intelectuais.
As
amizades influenciam?
Muito
mais do que imaginamos. Em 1998, a psicóloga americana Judith Rich
Harris causou uma revolução nas teorias da personalidade ao afirmar
que o convívio com os pais é só um dos fatores que influenciam a
personalidade dos filhos – e um dos menos importantes. No livro
Diga-me com Quem Anda..., ela fala que as relações horizontais dos
6 aos 16 anos – da criança com seus pares, o grupo de amigos da
escola ou da vizinhança – são o grande definidor da personalidade
adulta.
A
teoria de Judith explicaria por que pais normais, que seguiram sempre
as regras da boa educação, deparam com um filho criminoso. Talvez
nossos avós não estivessem errados ao se preocupar tanto com as más
companhias. A teoria também tem uma conseqüência aterradora: de
que a educação teria pouquíssimo efeito sobre os filhos. Eles não
se tornam o que os pais querem que sejam – mas o que os amigos
querem. Se é assim, então como educar os filhos?
O
estilo de educação importa?
Pouco.
Traços de personalidade dependem de diversos fatores e são
dificilmente previsíveis. Por isso, estudantes de um colégio
militar não se tornam necessariamente adultos metódicos, e os de um
colégio liberal não ficam mais criativos. Também não há
comprovação científica de que impor limites rígidos previne que o
filho seja um adolescente infrator.
Dizer
que o estilo de educação importa pouco na personalidade deve fazer
psicopedagogos e professores estremecer. Mas a afirmação pelo menos
livra os pais de tanta culpa e responsabilidade pelo destino dos
filhos. Notícias de adolescentes de classe média que ateiam fogo a
mendigos ou espancam empregadas costumam ver acompanhadas de críticas
ao pais. A idéia por trás dessa opinião é que os pais são
responsáveis pela personalidade e por todos os atos dos
descendentes.
Os
primeiros estudiosos a culpar os pais pela educação dos filhos
foram os psicólogos behavioristas. Eles adaptaram as idéias de
Freud sobre o papel dos pais e criaram sistemas de educação
baseados em estímulos e respostas. O psicólogo John Watson, famoso
no começo do século 20, chegou a dizer que conseguiria fazer de
qualquer criança um médico ou artista de sucesso se pudesse aplicar
na “cobaia” um sistema contínuo de estímulos e respostas. De
pensadores como Watson, veio a idéia, comum hoje em dia, de que uma
personalidade bem formada é resultado de uma educação de
recompensas e punições.
Por
que os irmãos são tão diferentes?
Muita
gente explica a personalidade de alguém pela ordem de nascimento ou
pela diferença de idade entre os irmãos. O senso comum diz que os
primôgenitos são mais independentes; os do meio, rebeldes; os
temporões, precoces. O historiador Frank Sulloway, da Universidade
da Califórnia, tem estudos nessa linha. Ele analisou a ordem de
nascimento de mais de 6 mil personalidades mundiais e concluiu que os
filhos mais velhos são mais conservadores, já os mais novos são os
criativos e revolucionários – é 18 vezes mais fácil achar um
revolucionário caçula que um primogênito.
Steven
Pinker, psicólogo evolucionista e professor da Universidade Harvard,
acredita que a variação de personalidade se resume numa palavra:
acaso. “Falo de acasos como um bebê que cai de cabeça no chão
sem querer, um vírus que ele pega, um pensamento que deixe uma
impressão permanente. Esses fatores podem ter uma influência tão
grande no que somos quanto os genes, uma influência muito maior do
que os pais”, afirma ele no livro Tábula Rasa.
É
possível mudar nosso jeito de ser?
Sim.
Na verdade, mudamos nossa personalidade a toda hora. Agimos de modos
diferentes com pessoas de idade, sexo ou posição social diferentes.
Você já deve ter passado pela sensação de ser amigável e
inteligente com alguém que o deixa confortável e agir do modo
contrário com quem o desafia. Além disso, a nossa personalidade
depende do que os outros acham: você pode ser chato para uma pessoa,
mas gente boa ou confiável para quem o conhece melhor. “O homem
tem tantos eus quantos são os indivíduos que o reconhecem”, disse
em 1890 o psicólogo William James, um dos primeiros a estudar a
personalidade.
O
gordinho engraçado
Este
tipo comum é um bom exemplo da teoria da americana Judith Harris,
para quem a relação entre os iguais é o fator que mais influencia
a personalidade. Entre os vizinhos e os amigos da escola, a criança
busca um jeito de receber atenção e ganhar destaque. Se não é o
mais bonito ou o mais forte do grupo, conquista o carinho de todos de
outro jeito: contando piadas.
A
bonita e burra
A
moça que nasce mais bonita que a média pode ter mais carinho dos
pais (que tratam, sim, cada filho de forma diferente) e ser
facilmente aceita entre os amigos. Mas essa herança pode ter um lado
ruim: atraindo a atenção pela beleza, ela talvez não desenvolva
artimanhas para se destacar, correndo o risco de ficar vazia e
desinteressante.
Tímido
e inteligente
Por
que algumas pessoas são abertas e sociáveis enquanto outras são
quietas e tímidas? Uma explicação é o jeito com que nossos pais
nos ensinam os sentimentos. O rapaz inteligente e introvertido pode
ter aprendido com o pai a ser frio e distante.
Gêmeas
e diferentes
Gêmeos
idênticos têm exatamente o mesmo DNA e foram educados de forma
parecida. Então por que são tão diferentes? A explicação mais
aceita é a Teoria dos Nichos: disputando a atenção dos pais, os
irmãos adotam papéis diversos. Um serve de referência do contrário
para o outro.
O
médico altruísta
Para
a psicanálise tradicional, tentamos repetir na vida adulta as
experiências da infância. Imagine um garoto que nasceu pouco antes
de o pai morrer e que, por isso, foi admirado como uma compensação
pela mãe e pelos avós. Ao escolher a profissão, ele pode ter
gostado da idéia de ser admirado – como um médico que faz tudo
pelos pacientes.
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