Na semana que passou, acabou o prazo da recuperação judicial do Grupo Rede. O imbróglio mostra a atuação do governo sobre a concessão de serviços públicos - a Aneel decretou um regime de intervenção sobre as concessionárias. As operadoras de telefonia celular também tiveram que lidar com a atuação de sua agência reguladora, a Anatel, que suspendeu vendas de novas linhas após desempenho insatisfatório das operadoras. Os casos mostram que o governo tem seus meios para fiscalizar como empresas privadas executam serviços públicos – meios que, muitas vezes, não existem para fiscalizar a atuação do próprio governo quando presta os serviços.
“Em todos os casos (privatizações ou concessões), o governo
tem meios de regular as empresas”, afirmou Carlos Ari Sundfeld, professor da
faculdade de direito da FGV. A fiscalização por parte do governo começa na
licitação e chega até as agências reguladoras e pode ter como resultado, em
último caso, a perda de concessão.
Para o especialista, seria importante criar agências para
mais serviços públicos – executados pelo estado - como educação e saúde. “É
muito difícil punir o próprio Estado. Toda privatização acabou facilitando o
serviço de defesa do consumidor”, disse.
Licitação
A licitação para obtenção da concessão deve conter os
requisitos de qualificação técnica, financeira, jurídica e fiscal que deverão
ser atendidos pelo licitante, segundo Jose Virgílio Lopes Enei, sócio da área
de infraestrutura do escritório Machado Meyer. O processo licitatório é
acompanhado e fiscalizado por diversas autoridades (do poder executivo e também
tribunais de contas competentes).
Contratos e
fiscalização
Após a outorga da concessão, o poder que a concedeu vai
fiscalizar e exigir o cumprimento do contrato de concessão e da legislação
pertinente. A fiscalização geralmente engloba o acompanhamento e aceitação das
obras que podem preceder a prestação dos serviços, a verificação da qualidade e
adequação dos serviços em si, da manutenção adequada dos bens utilizados na
concessão, do cumprimento das metas de universalização, dos contratos
relevantes, e ainda da saúde financeira da concessionária, segundo Enei. Essa
fiscalização pode também ser delegada às agências reguladoras. A concessão
também pode sofrer a fiscalização do Tribunal de Contas, do Ministério Público
ou da sociedade, através da ação popular, segundo Enei.
Agências reguladoras
As agências reguladoras foram criadas para fiscalizar a
prestação de serviços públicos praticados pela iniciativa privada. Elas
controlam a qualidade de prestação do serviço e estabelecem regras para o
setor. Em 1996, foi criada a primeira agência brasileira, a Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel).
Geralmente, as agências reguladoras são autarquias
especiais, que gozam de independência técnica, autonomia financeira e mandato
fixo para seus diretores, segundo Enei. As agências precisam de autonomia, para
não sofrer interferências externas, segundo José Luiz Lins, presidente da
Associação brasileira de agências de regulação (Abar) e é nessa área que está o
desafio, especialmente nas agências federais, segundo Lins. “Os recursos que
elas recebem vem, normalmente, de arrecadação, mas o governo impõe uma politica
de contingenciamento desses recursos, e só libera conforme entende, na sua área
de planejamento, que é interessante”, afirmou.
Em geral, as concessionárias devem apresentar relatórios
periódicos sobre as obras, serviços, contratos e contas relativos à concessão,
em formato exigido pela agência reguladora. As Concessionarias devem submeter à
aprovação da Agência contratos relevantes, planos de investimento e propostas
de alteração de controle, por exemplo. A agência usa essas informações para
exercer a sua fiscalização e pode pedir informações adicionais da
concessionária e notificá-la a regularizar qualquer infração detectada, segundo
Enei.
Controle Cruzado
“Não é só a agência, temos um aparato estatal bem
sofisticado para fazer esses controles cruzados”, disse Sundfeld. As agências
reguladoras, como qualquer entidade publica, se sujeitam à fiscalização a cargo
dos Tribunais de Contas e do Ministério Público e podem ser objeto de ações
populares a cargo de qualquer cidadão, segundo Enei. Suas decisões podem ser
submetidas ao Poder Judiciário pelos agentes regulados afetados pelas decisões.
As agências também são acompanhadas pela Secretaria de
Acompanhamento Econômico (SEAE), do Ministério da Fazenda, que observa as
tarifas. “O Ministério da Fazenda, não tem competência de interferir, mas tem
para criticar”, afirmou Sundfeld.
Concorrência e consumidores
Há também o controle da concorrência e dos direitos do
consumidor. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) pode impedir
eventuais violações de concorrência, segundo Sundfeld, e os clientes que se
sentirem lesados podem recorrer ao Procon.
No entanto, isso funciona melhor em alguns serviços do que
em outros, segundo o especialista. “O elo mais frágil da cadeia é de serviços
para população, em que a relação é mais rápida”, disse Sundfeld. O serviço
municipal de ônibus (alvo de reclamações recentemente) é um exemplo de serviço
de “relação rápida”. “É difícil alguém reclamar no Procon, a relação com a
empresa de ônibus é de curta duração. É mais fácil você querer reclamar com seu
banco”, afirmou.
Para o presidente da Abar, por mais desconhecimento que a
sociedade tenha, existe a sinalização da presença do estado por meio das
agências reguladores. "(A sociedade) pode até questionar a eficácia, mas o
instrumento está posto”, afirmou.
Fonte: Exame
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